O passo começa o voo que vai do chão para o infinito. *Mário Lago

terça-feira, 26 de outubro de 2010

Eu só quero...



Eu só quero saber do microcosmo, o de tanta realidade que nem há.
Na partícula visível de poeira em onda invisível dança a luz.
Ao cheiro de café minhas narinas vibram, alguém vai me chamar.
Responderei amorosa, refeita de sono bom.
Fora de alguém que me ama, eu nada sei de mim.

*Adélia Prado (A duração do dia) 
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domingo, 24 de outubro de 2010

Meus versos

Meus versos são todos contra a razão, inclusive se você for raciocinar em cima do verso, procurar o sentido não acha a ideia central, porque a linguagem apaga a ideia.
A metáfora destrói qualquer ideia.
A ideia se ele quiser, depois inventa.

♦ Manoel de Barros
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Algo

Algo me veste
O existir
Algo cobre com um sorriso
A idéia de sorrir
Algo inventa palavras
Em lavras de vento
Algo arde
Nos passos em que sou tarde
Algo ama em meu amor
Algo alga em praia além
Algo alma
Em meu ninguém.

♦ Paulo Bonfim
Imagem: Google
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Alma


A alma é invisível,
um anjo é invisível,
o vento é invisível,
e, no entanto,
com delicadeza,
se pode enxergar a alma,
se pode adivinhar o anjo,
se pode sentir o vento,
se pode mudar o mundo
com alguns pensamentos...

♦  Roseana Murray
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A Inominável…



Leve… – Pluma… Surdina… Aroma… Graça…
Qualquer coisa infinita… Amor… Pureza…
Cabelo em sombra, olhar ausente, passa
como a bruma que vai na aragem presa…

Silenciosa. Imprecisa. Etérea taça
em que adormece luar… Delicadeza…
Não se diz… Não se exprime… Não se traça…
Fluido… Poesia… Névoa… Flor… Beleza…

Passa… – É um morrer de lírios… Olhos quase
fechados… Noite… Sono… O gesto é gaze
a estender-se, a alargar-se… – E enquanto vão

fugindo aos passos teus, Visão perdida,
chovem rosas e estrelas pela vida…
Silêncio! Divindade! Iniciação!

♦ Cecília Meireles
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A alma...




A alma dos diferentes é feita de uma luz além.
Sua estrela tem moradas deslumbrantes
que eles guardam para os poucos
capazes de os sentir e entender.
Nessas moradas estão tesouros da ternura humana.
De que só os diferentes são capazes.
Não mexa com o amor de um diferente.
A menos que você seja suficientemente forte
para suportá-lo depois.
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♦ Artur da Távola
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Água de remanso



Cismo o sereno silêncio:
sou: estou humanamente
em paz comigo: ternura.

Paz que dói, de tanta.
Mas orvalho. Em seu bojo
estou e vou, como sou.

Ternura: maneira funda,
cristalina do meu ser.
Água de remanso, mansa
brisa, luz de amanhecer

Nunca é a mágoa mordendo.
Jamais a turva esquivança,
o apego ao cinzento, ao úmido,
a concha que aquece na alma
uma brasa de malogro.

É ter o gosto da vida,
amar o festivo, e o claro,
é achar doçura nos lances
mais triviais de cada dia.

Pode também ser tristeza:
tranqüilo na solidão macia.
Apaziguado comigo,
meu ser me sabe: e me finca
no fulcro vivo da vida.

Sou: estou e canto.

♦ Thiago de Mello 
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Como é bom ser bom




Tu, que vês tudo pelo coração,
Que perdoas e esqueces facilmente,
E és, para todos, sempre complacente,
Bendito sejas, venturoso irmão.

Possuis a graça como inspiração
Amas, divides, dás, vives contente,
E a bondade que espalhas, não se sente,
Tão natural é a tua compaixão.

Como o pássaro tem maviosidade,
Tua voz, a cantar, no mesmo tom,
Alivia, consola e persuade

E assim, tal qual a flor contém o dom.
De concentrar no aroma a suavidade,
Da mesma forma, tu nasceste bom.

♦ Martins Fontes
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